Médico embolsou mais de 700 mil euros em "cirurgias adicionais", incluindo atos indevidos e codificação fraudulenta de casos oncológicos.A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) concluiu o seu relatório sobre as operações financeiras irregulares de um dermatologista do Hospital de Santa Maria, encaminhando o caso para o Ministério Público. As descobertas apontam para um esquema de fraude que permitiu ao clínico auferir mais de 700 mil euros em incentivos por produção cirúrgica adicional, fora do horário normal de trabalho.
A Trama da Codificação
O relatório da IGAS, divulgado esta terça-feira, apura que o dermatologista terá recebido pagamentos indevidos por cirurgias que classificou de forma errónea, inflacionando os valores a receber.
Incentivos Indevidos: Foi atribuído de forma ilegal o incentivo de malignidade (oncologia) em quase 20% das cirurgias analisadas.
Aumento Artificial de Severidade: O médico terá recorrido à "codificação indevida" de diagnósticos de comorbilidade inexistentes. Esta prática levou a que pequenas cirurgias fossem agrupadas no nível de severidade 2, elevando o valor do pagamento, apesar de não terem envolvido procedimentos complexos como sedação ou recobro.
Caso Pessoal: O médico chegou a marcar consultas, elaborar propostas e realizar cirurgias nos seus próprios pais, contornando as regras de referenciação prévia.
Falhas nos Controles Internos
O documento critica a ineficácia dos mecanismos de controlo interno da Unidade Local de Saúde de Santa Maria. Embora um alerta sobre desvios na produção adicional do Serviço de Dermatologia tenha sido emitido em 2022, a atividade e os elevados pagamentos ao médico visado não geraram qualquer alarme, sendo, no entanto, do conhecimento do Diretor do Serviço.
Só em julho de 2024, após a identificação do elevado montante pago, é que a Administração do Santa Maria questionou o departamento de Recursos Humanos, que inicialmente justificou a legalidade dos valores. Em novembro do mesmo ano, foram implementadas restrições nas regras de pagamento por produção adicional para tentar estancar a situação.
A IGAS revelou ainda que, no período em análise (2021 ao final do primeiro trimestre de 2025), as propostas cirúrgicas eram registadas apenas em papel no Serviço de Dermatologia, adulterando a Lista de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) ao não refletir a antiguidade dos pacientes.
O processo de inquérito prossegue agora para determinar a eventual responsabilidade financeira de todos os intervenientes e apurar os valores exatos que foram pagos de forma indevida. O relatório foi enviado ao Ministério Público e às tutelas.